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UM DISCURSO SOBRE CIÊNCIAS
Notas sobre um texto de Boaventura Sousa Santos
por Francisco Vilhena

A ciência pós-moderna reconhece que o conhecimento científico só se realiza quando se converte em senso comum: «tudo o que se deixa dizer, deixa-se dizer claramente.».

Todo o conhecimento científico-natural é científico-social

Nas últimas décadas os modelos que são utilizados para explicar as ciências sociais, sustentam o desenvolvimento das ciências naturais.

É como se em vez de serem os fenómenos sociais a ser estudados como se fossem fenómenos naturais (Durkheim), agora serem os fenómenos naturais estudados como se fossem fenómenos sociais.

Mas esta superação de uma dicotomia ciências naturais/Sociais não é suficiente para caracterizar o modelo de conhecimento no paradigma emergente.

A constituição das ciências sociais teve lugar segundo duas vertentes: uma mais ligada à epistemologia e à metodologia positivista (Ciências Naturais) e outra mais ligada à tradição filosófica, fenomenológica, existencialista, pragmática (Conceção mecanicista da natureza).

Esta última corrente é mais dominante nas últimas décadas: "à medida que as ciências naturais se aproximam das ciências sociais estas aproximam-se das humanidades."

A superação da dicotomia ciências naturais/ciências sociais revaloriza os estudos humanísticos, mas para isso acontecer também será necessário que as humanidades sejam profundamente transformadas.

A resistência à manipulação do mundo aponta caminhos de futuro, e apesar de para sua proteção se terem colocado num ghetto, há que recuperar o núcleo genuíno das humanidades e pô-lo ao serviço de uma reflexão sobre o mundo.

A conceção humanista coloca a pessoa, como autor e sujeito do mundo, no centro do conhecimento. Mas coloca a natureza no centro da pessoa.

"A nudez total, que será sempre a de quem se vê no que vê" e portanto não faltará muito tempo para que sejam utilizadas analogias humanísticas para caracterizar processos científicos.

O autor termina esta parte referindo que sendo o mundo comunicação, as interações e intertextualidades são organizadas em torno de projetos locais de conhecimento indiviso.

 

Todo o conhecimento é local e total

Na ciência moderna o conhecimento avança pela especialização, no espartilhar a realidade para aprofundar com rigor. Um conhecimento disciplinar disciplinado. Esta excessiva parcialização e disciplinarização do saber científico é hoje transversalmente considerado como negativo. O autor apresenta uma série de exemplos nos quais demonstra que as ciências hoje se preocupam em evitar reducionismos e pensamentos unidimensionais, como é o caso da economia que vendo a falimento de um certo pensamento puramente quantitativo e tecnocrático, valoriza hoje a qualidade humana e sociológica dos agentes e processos económicos.

O autor refere que apesar do reconhecimento desta realidade, as medidas propostas para corrigir este problema são também elas redutoras, pois consistem na criação de novas disciplinas para resolver os problemas produzidos pelas anteriores, o que por si só é a aplicação do mesmo pensamento espartilhacionista. (Médico de Clinica Geral Vs Médicos especializados). Por si só esta perversão demonstra que a solução não se encontra no paradigma dominante, pois este é a causa do problema.

O conhecimento é total porque tem como horizonte a totalidade universal portanto indivisa, mas ao mesmo tempo é local porque diz respeito a realidades concretas, e grupos sociais específicos e com projetos de vida locais. A fragmentação pós-moderna não é disciplinar mas temática. Os conhecimentos progridem ao encontro uns dos outros. A ilustração de projetos cognitivos locais, pelo seu exemplo, ilustra o pensamento total. Este tipo de pensamento incentiva a que os conceitos e as teorias emigrem para outros lugares cognitivos e possam ser usados fora do seu contexto de origem. Este paradigma choca com a uniformização e quantificação ao ser concebido pela imaginação e generalização pelo exemplo e qualidade.

É um conhecimento relativamente ametódico devido à pluralidade metodológica e necessariamente implica transgressão metodológica, arriscando novos contextos, novos habitats. A composição transdisciplinar e individualizada leva-nos à conclusão que:

 

Todo o conhecimento é autoconhecimento

A ciência preconizou a distinção entre sujeito e objeto, distinção que nas ciências sociais não foi tão possível de atingir ou até desejável, uma vez que os objetos de estudo eram aqueles mesmos que os estudavam. O desconforto das ciências sociais também se expandiu às ciências naturais e hoje é possível afirmar que o objeto é continuação do sujeito e por isso é autoconhecimento. A ciência moderna não é a única explicação da realidade e não há uma razão científica para a considerar melhor que outras explicações. A explicação científica dos fenómenos é um assumir da própria ciência enquanto fenómeno central. A ciência é assim autobiográfica. Este posicionamento da ciência moderna desprezou todas as conceções fora das categorias espaço, tempo, matéria e número, deixando de lado conceções mais metafóricas, arbitrárias. No paradigma emergente o caráter autobiográfico e auto referenciável da ciência é plenamente assumido. Se o conhecimento funcional do mundo ajuda à nossa sobrevivência, a nossa vivência dependerá da nossa capacidade de conhecimento mais compreensivo e íntimo que não nos destaque daquilo que estudamos. A criação científica posiciona-se no pensamento emergente como próximo à criação literária ou artística, pois procuram olhar para a realidade contemplando e interpretando (com aquilo que é) a obra de arte do resultado. O conhecimento científico ensina a viver e traduz-se num saber prático, daí:

 

 Todo o conhecimento científico visa constituir-se em senso comum

A ciência moderna ensina pouco sobre a forma de estar no mundo e por isso ao mesmo tempo que produz conhecimento e especializa indivíduos também produz desconhecimentos e cria cidadãos ignorantes.

A ciência pós-moderna ao tentar um diálogo entre todas as formas de conhecimento, tenta imbuir-se deste conhecimento. A mais importante forma de conhecimento é a do senso comum.

O mais comum e prático mas que orientam e dão sentido às nossas ações no dia a dia. A ciência moderna desprezava este conhecimento, já a ciência pós-moderna procura reabilitar o seu uso pois enriquece a nossa relação com o mundo. O senso comum faz coincidir causa e intenção, e dá uma visão de ação, experiências e criatividade. O senso comum é transparente e evidente. O senso comum é ametódico e é indisciplinar, reproduz-se no suceder quotidiano da vida. O senso comum é retórico e metafórico, não ensina, persuade. O senso comum com o conhecimento científico pode dar origem a uma nova racionalidade. O salto mais importante é inverter o pensamento de que o conhecimento científico é qualitativamente superior ao senso comum. A ciência pós-moderna reconhece que o conhecimento científico só se realiza quando se converte em senso comum. «tudo o que se deixa dizer, deixa-se dizer claramente.» A ciência pós-moderna não despreza o conhecimento científico em si, mas entende que este tem de traduzir-se em senso comum, em autoconhecimento, em sabedoria de vida.

«Sabemo-nos a caminho mas não exatamente onde estamos na jornada»

Francisco Vilhena

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